Doutor Google
 



Diálogos

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Goretti Giaquinto


- Bom dia, dona Vivi. O que a traz hoje aqui? Não nos vimos há dois dias?

- Bom dia, doutor. É que estou sentindo umas coisas estranhas.

- Que tipo de coisas? Alguma dor?

- Mais ou menos. O senhor viu aquela moça que morreu anteontem? Saiu na internet. A do fígado.

- Qual moça? Morre tanta gente todos os dias!

- A que deu problema no fígado e teve que receber outro que não deu certo. Era famosa e nova.

- Mas o que tem a morte dela com o que a senhora está sentindo? Era parente sua?

- Não, mas eu li que ela tomava muitos remédios e adoeceu. Teve hepatite por causa dos remédios. Aí precisou de transfusão e deu errado.

- Transfusão ou transplante? A senhora está com dor? Febre? Náuseas?

- Não, doutor. Eu li que tomar muitos remédios faz mal, e comecei a me sentir esquisita, o senhor sabe, hoje os remédios dão mais efeitos colaterais que consertam os problemas da saúde da gente. Eu li, inclusive, que aquele remédio que o senhor passou na vez passada cau...

- Qual remédio, dona Vivi? Eu só passei vitamina C, paracetamol se tivesse febre, e repouso, lembra? A senhora está lendo essas coisas onde?

- Na internet, doutor. Lá tem tudo. Eu vi que esse remédio que o senhor passou, inclusive, está proibido para os americanos. Aí eu falei com o moço da farmácia, e ele me recomendou aquele outro, menos perigoso, que todo mundo usa. A aspirina. Eu aproveitei e comprei vitamina C, vitamina A, vitamina D, Cálcio, para ficar boa da gripe.

- Dona Vivi, a senhora estava com um resfriado, não precisava de nada além do que lhe receitei.

- Achei que podia ser COVID, e o moço recomendou para fortalecer minha resistência. Minha vizinha me deu também um remedinho que pegou no postinho, tomei 10 gotas e dormi muito bem. Foi ótimo, estava cansada. Da gripe. Precaução, doutor. A gente vê tanta morte ainda pelo tal de vírus, e agora essa hepatite. Sou nova ainda, preciso me cuidar.

- Mas o que a senhora está sentindo hoje?

- Fastio , doutor. Não consigo comer direito.

- O resfriado deixa a gente sem sentir gosto na comida, por isso a senhora não sente fome.

- Eu li que falta de apetite pode ser fígado. E com tanto remédio que estou tomando, posso estar com essa hepatite, né?

- Dona Vivi, a senhora resolve acreditar mais no rapaz da farmácia, na internet e na sua vizinha. Vamos fazer uns exames para lhe tranquilizar, tá bem?

- Que exames? O senhor acha que estou com algum problema sério? Estou com câncer?

- Não, dona Vivi. Vou só pedir um exame de sangue, para lhe tranquilizar. As taxas vão indicar se há alguma infecção, e a gente cuida disso.

- Taxas? O senhor acha que estou com problema no intestino?

- Não, senhora , fique tranquila.

- O senhor está esquisito, doutor. Pode ser sincero comigo.

- Dona Vivi, o exame é simples e só para lhe tranquilizar. Eu sei que a senhora está ótima.

- Mas doutor, o senhor nem pôs a mão em mim e já acha que eu não tenho nada?

- Dona Vivi, a senhora esteve aqui anteontem e eu lhe examinei, está tudo bem com a senhora.

- Como o senhor tem certeza disso? Não pediu nenhum exame anteontem!

- Eu não pedi exame porque não precisava.

- E agora precisa? O senhor está me escondendo algo?

- A senhora é minha paciente há anos, tem feito exames regulares e está tudo bem. Ou confia em seu médico, ou no moço da farmácia, na vizinha e no que sai na internet.

- Tá bom, pode me passar o exame.

- Volte quando receber o resultado, certo?

- Certo. Até mais. (Pra quê? Vejo no Google! Esses médicos se acham tamposos!)

- Até mais. Aguardo a senhora.


Goretti Giaquinto é natural de Recife (PE), e foi adotada por Ribeirão Preto (SP) desde 2001. Arquiteta e apaixonada por livros e histórias, busca se equilibrar entre projetos, obras, arte e criatividade, participando de cursos de escrita criativa e pintura em aquarela. Segue unindo rabiscos, croquis e diários (memórias esboçadas desde a adolescência) em paralelo à carreira profissional, insistindo em pôr no papel e computador mais que traços, pontos e retas. Durante a pandemia decidiu desengavetar de vez o sonho da escrita. Participou da finalização e do prefácio do livro ?Construindo sua casa-manual prático para leigos", do engenheiro A.R.Pavim (vítima da Covid, em 2020), com quem teve longa parceria profissional, publicado em 2023 pela editora Dialética. Participou da antologia ?Retratos Pandêmicos", dentro do projeto "É dia de escrever", em 2021, e do curso de formação de Biblioterapia, do Observatório do Livro e da Leitura de Ribeirão Preto(SP), em 2022. Agora, no curso de Formação de Escritores, da Metamorfose, espera construir com palavras as histórias que traz, que ouve e se encanta.

 

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